Poeta laureado em 2021 – Manuel Alegre, com a obra Quando

O prémio António Ramos Rosa tem sido um rio fecundo, que se vai tornando mais intenso pelos afluentes de vozes inquietas e lúcidas dos poetas homenageados.

A nossa criação tem como marca indelével Ramos Rosa, e a sua devoção à palavra enquanto entidade sagrada, fazendo um percurso sinuoso pelos diferentes poetas que conquistaram o prémio ao longo destas edições. Fernando Echevarría, João Rui de Sousa, Luís Barreto Guimarães, Fernando Guimarães, Nuno Júdice, Luís Quintais, Gastão Cruz e Manuel Alegre entretecem este grito acutilante de que se reveste a poesia.

As rosas estão mais tristes nos jardins do Mundo

As rosas estão mais tristes nos jardins do Mundo há uma pétala a sangrar em cada rosa na própria palavra rosa há uma sílaba ferida. As certezas partiram-se. Não sei que silêncio fechou as bocas que falavam junto aos rios. Ainda o pintarroxo e o pisco ainda o canto nupcial da codorniz nos campos de avezém onde os besouros zumbem enlouquecidos ao fim da tarde. Bogas e ruivacos a subir o rio reflexos de prata junto às margens alfabeto da terra e da água ainda cheira a madressilva em certas letras. Como guardar as memórias perdidasa breve eternidade e o nome das coisas o sentido o brilho do sol em certos cantos mais obscuros da casa onde por vezes alguém saía do retrato e se sentava na cadeira sem ninguém onde afinal havia sempre alguém.

Como encontrar o poema onde o que foi em cada palavra tem alguém sentado? não te esqueças que morreste em todos os poemas e nunca assinaste o teu nome todo. Metade de ti ficou no tinteiro a outra metade foi dar a volta ao Mundo. A parte de ti que regressou nem tu sabes há cidades onde se fica para sempre estações onde os comboios não chegam nunca corpos onde se entra e depois não se sai. Há ruas misteriosas sem se saber porquê encontros inesperados que podem mudar a vida não te esqueças que amor e morte se conjugam às vezes chegam de mãos dadas não te esqueças que um dia é cedo e de repente já é tarde no amor, no poema, na dança  inacabada. Não te perguntes  as horas. Os anjos já passaram e ninguém  agradece. O  que foi é um passado quase excessivo tão grande que talvez outro futuro aí comece.

Manuel Alegre In, Quando

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