Ana Oliveira escreve sobre a perplexidade de um mundo dissolvido nas brisas levantinas. Dramatiza fantasias alheias, convocada pela urgência de reler o sul que deslumbrou Manuel Teixeira Gomes. Convocando-o como mediador, relê o território da fantasia: um labirinto que se alimenta de outro labirinto deixando-nos presos numa teia de memórias confluentes, configuradas no espaço liquido de um mar de encantamentos e de naufrágios.
O território do texto.
A autora borda palavras no fio de tempos cruzados, tempo de princesas mouras, tempo de bravos marinheiros e de mulheres atormentadas. O texto constrói-se na fronteira entre a terra firme – o Algarve – e o oceano demonizado. Os personagens não passam de náufragos perdidos na inquietude dos seus devaneios.
(…) É o Algarve o território dos Segredos do Levante, resgatado por evocações difusas da nossa memória colectiva. Ana Oliveira captou no Sul a herança cultural mediterrânica e atlântica. Do mar, dos mouros, emergem os encantamentos e a sabedoria detentora dos segredos do levante. Do Oceano, os medos, o infortúnio, os naufrágios. Em terra, nos rossios, nas ruas, nos conventos, trava-se a luta entre tradição e modernidade, sendo as mulheres protagonistas desses mundos opostos – Cássima, Madalena e Maria Adelaide – num caos de anacronismos que alude, com humor, a bruxas, a inquisidores, a noviças imberbes e a padres devassos.
Manuel Teixeira Gomes, autor e personagem em vários trechos das peças de Ana Oliveira, em carta ao seu amigo João de Barros, escrita em Tunis em Abril de 1927, dizia que «a flor da sensibilidade de um escritor aparece logo no seu primeiro livro, onde ele põe tudo quanto tem a dar». A flor do segredo de Ana Oliveira, como dramaturga e como mulher, é a capacidade de sentir os demónios que, furtivamente, espreitam as portas do céu e de lançar-se contra eles incendiando o caminho com palavras.
Prefácio por: Maria da Graça A. Mateus Ventura